Minha querida Nicole
Postado por
Jair Cardoso
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Desde
crianças brincávamos juntos. Ela sempre afável tinha um carinho especial
por mim. E eu nutria por ela um carinho maior ainda. Tínhamos a mesma
idade. Enquanto os irmãozinhos dela jogavam futebol, eu ficava junto a
ela sentado à beira do campo segurando sua frágil mãozinha. Sempre
branquinha e singela precisava de constantes cuidados médicos. Às vezes
morava mais no hospital do que em casa. Quando voltava era eu que
repassava as lições da escola. E gostava muito de estudar com a Nicole.
No fim da tarde ela espalhava seus ursinhos de pelúcia por todo quarto e
ficávamos horas brincando com aquelas criaturinhas tão fofas.
Na
medida em que crescíamos trocávamos os ursos por passeios na pracinha. E
ela ficava cada vez mais franzina e precisava de cuidados constantes.
Não dispensava a sua sombrinha rosa para não pegar sol. O mínimo já era
motivo para lhe deixar de cama uma tarde inteira. Nicole sempre fora
delicada e tinha uma saúde instável.
Quando
ela fez treze anos trocamos pela primeira vez uma carta de amor. Era um
amor singelo e ingênuo e eu tinha por ela muito apego.Não sei dizer ao
certo o motivo deste apego. Talvez eu gostasse dela por ser tão singela e
frágil e isto me despertou um sentimento de proteção. Depois de um
tempo nossos passeios no bosque foram cessando devido ao cansaço que
isso lhe causava. Os irmãos dela, bem mais velhos que nós, começaram
algum tipo de marcação e não deixavam que eu ficasse com ela por mais
tempo.
No
aniversário de seus quinze anos ela fez questão que eu fosse o primeiro
a dançar a valsa. Os olhos dela eram tão serenos que não resisti.
Depois da festa trocamos o primeiro beijo e juramos amor eterno. Ela
estava tão magrinha e fraca que me causou uma comoção profunda. Nicole
tinha uma voz tão doce e tudo que ela falava era belo e generoso. Depois
do beijo e das juras de amor fizemos planos para o futuro. Embora o
nosso futuro fosse incerto, eu tinha certeza que ela mudaria muita coisa
em minha vida. Éramos tão jovens, mesmo assim arcamos com uma
responsabilidade imensa.
No
fim da festa ela fez questão de ficar um pouco mais comigo e só foi
para o quarto descansar depois das dez da noite. Os irmãos dela estavam
sempre por perto nos vigiando.
Noutro
dia abri a minha janela e vi uma ambulância saindo da casa de Nicole.
Corri para saber o que havia acontecido e disseram que ela fora às
pressas para o hospital. Ficou dois dias lá e voltou ainda mais fraca e
branca. Alguns amigos se reuniram e fizeram uma visita a ela. Quando
entrei no quarto ela me procurou com os olhos e me olhou com tristeza.
Os ursinhos estavam todos em fila ao redor de sua cama de princesa. Era o
prenúncio de uma despedida. Quando todos saíram eu fiquei mais um pouco
para tentar amenizar a dor que ela sentia. Ela nada disse. Puxou uma
caixinha de papelão ornada com papel picado e tirou um anel que estava
escondido no fundo. Com as mãos trêmulas me entregou o objeto e disse em
voz baixa que iria me amar para sempre. Eu a abracei e logo em seguida
tive que sair para ela descansar. Contemplei seus lindos olhos
brilhantes e me despedi. Havia naquela cena uma comoção que me tomou por
completo. Como se aquela despedida fosse definitiva.
Noutro
dia veio a notícia que chocou todo o bairro. Nicole morreu naquela
noite. Depois do meio dia trouxeram o caixão, branquinho feito a seda,
para levar o corpo dela. Com lágrimas nos olhos vi seu rostinho doce e
rosado no seu velório. E levaram aquela criaturinha tão meiga que tanto
me amou e que marcou a minha vida.
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